1 de abril de 2025
Por Sebastian Soares
Para Conjur – Publicado em 01.04.2025
O mercado de capitais está em constante movimento: com novas regras, avanços tecnológicos e demandas por mais transparência, os debates sobre a evolução do ecossistema financeiro continuam sempre em alta. No centro desse cenário dinâmico, a auditoria independente atua como um pilar de confiança, contribuindo para que as informações financeiras reflitam com maior precisão a realidade das empresas.
Regulada por padrões internacionais e conduzida com rigor técnico, a atividade é essencial para a credibilidade do mercado. Ainda assim, seu papel nem sempre é compreendido em sua totalidade. Para que investidores e demais agentes possam tomar decisões bem fundamentadas, é necessário entender como a auditoria independente fortalece a governança e contribui para um ambiente de negócios mais seguro.
No ambiente corporativo, diferentes atores desempenham funções complementares para garantir a confiabilidade e transparência das informações. A diretoria das empresas é primariamente, a responsável por elaborar as demonstrações financeiras e implementar controles internos que assegurem a qualidade e acuracidade dos dados apresentados.
O conselho de administração, por sua vez, tem o dever de supervisionar essa gestão, atuando como um elo entre a empresa e os acionistas. Já a Auditoria Independente entra nesse processo como um terceiro imparcial, avaliando se as informações financeiras divulgadas ao mercado, estão materialmente elaboradas de acordo com as normas contábeis e refletem a posição financeira e patrimonial da companhia em uma determinada data.
O auditor, portanto, não assume a função da administração nem elabora os números: sua responsabilidade está em examinar os dados, questionar eventuais inconsistências e emitir um parecer técnico que contribua para o aprimoramento da qualidade das informações e a transparência do mercado — aspectos fundamentais para que investidores possam considerar no processo de avaliação de alocação de recursos.
Para esse trabalho, as auditorias independentes seguem processos rigorosos, que podem envolver diferentes níveis de análise e de asseguração. Compreender essa diferenciação é essencial para que o investidor possa interpretar corretamente os relatórios financeiros e tomar decisões informadas sobre alocação de recursos e avaliação de riscos.
Redução de risco
Uma auditoria fornece uma asseguração razoável, mas não absoluta. Segundo as normas do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), uma auditoria visa reduzir o risco do trabalho a um nível aceitavelmente baixo, permitindo que o auditor expresse uma opinião sobre a conformidade das informações com os critérios aplicáveis.
Para isso, são realizados testes mais extensivos, em bases amostrais, incluindo inspeções, confirmações externas e verificações detalhadas. O parecer emitido indica que as informações estão adequadas “em todos os aspectos relevantes”, ainda que não garanta precisão absoluta. Já na asseguração limitada, o risco é reduzido, mas permanece maior do que na asseguração razoável. O auditor apenas conclui que não encontrou evidências de distorções materiais, sem a profundidade de uma análise mais criteriosa.
Do ponto de vista dos investidores, não há dúvidas de que a asseguração razoável representa um nível mais elevado de confiança sobre a integridade das informações financeiras, permitindo uma melhor avaliação dos riscos e oportunidades de investimento. Empresas que passam por auditorias independentes com esse grau de rigor tendem a demonstrar maior compromisso com a governança, fatores que influenciam diretamente sua reputação e credibilidade junto ao mercado. Dessa forma, a auditoria independente colabora para a aplicação consistente das normas de contabilidade no mercado como um todo, o que proporciona melhor comparabilidade entre relatórios financeiros.
Além disso, ao analisar controles internos e apontar melhorias, a asseguração razoável contribui para o aperfeiçoamento da gestão financeira e operacional das empresas, reduzindo a exposição a riscos e fortalecendo o ambiente de negócios. Para além do relatório final, os auditores independentes frequentemente apontam erros e sugerem ajustes materiais que são reconhecidos nas demonstrações contábeis antes de sua divulgação, que nem se quer são divulgados ao mercado, mas que contribuem para uma maior qualidade das informações corporativas.
Apesar desses benefícios, ainda há equívocos frequentes entre agentes do mercado sobre o que realmente significa uma auditoria e uma asseguração razoável. Um dos principais enganos é confundir esse conceito com uma asseguração absoluta, isto é, a ideia de que a auditoria seria capaz de atestar que não há nenhum erro ou fraude nas demonstrações financeiras.
Na realidade, o trabalho do auditor segue metodologias baseadas em amostragem e testes de relevância, o que reduz riscos de distorções significativas, mas não elimina completamente a possibilidade de falhas. Cabe reenfatizar que a responsabilidade pela integridade das demonstrações financeiras continua sendo da administração da empresa, cabendo ao auditor independente avaliar se essas refletem adequadamente, em todos os aspectos relevantes, sua realidade econômica dentro dos padrões contábeis aplicáveis.
Esse debate se intensifica sempre que ocorrem casos de grandes fraudes corporativas. Em situações assim, muitas vezes surge a expectativa de que a auditoria deveria ter previsto, prevenido ou identificado a irregularidade, ignorando o fato de que fraudes bem estruturadas podem envolver a falsificação de documentos, conluio entre funcionários e tentativas deliberadas de ocultação de informações. Estudos mostram, inclusive, que a maioria das fraudes é descoberta por meio de denúncias internas e não diretamente pela auditoria independente.
Isso não atribui menor relevância à auditoria, mas reforça a importância de mecanismos de governança sólidos, assim como legislações que definam claramente a responsabilidade de cada ator dentro da estrutura das empresas e estabeleçam sanções rigorosas para quem comete fraudes — a exemplo de como é nos Estados Unidos e países da Europa. Vale ressaltar que, ainda, que não seja função das auditorias independentes detectar crimes, elas têm um importante papel na inibição de más práticas: segundo a Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), os prejuízos relativos a fraudes reportados por companhias regularmente auditadas são 52% menores.
Para lidar esses desafios, a auditoria independente se apoia no princípio do ceticismo profissional, um dos fundamentos da profissão. Os auditores independentes são treinados para analisar criticamente as informações que recebem, questionar dados inconsistentes e buscar evidências concretas antes de emitir sua opinião. Esse olhar atento reduz riscos e reforça a credibilidade do processo de auditoria.
Além disso, a profissão é altamente regulada, seguindo padrões estabelecidos por órgãos como o Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o Banco Central (Bacen) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entre outros, que adotam as normas internacionais do International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) e seguem diretrizes do International Ethic Standards Board (IESBA). O alto grau de regulação e a exigência de conformidade com rígidos padrões técnicos contribuem ainda mais para a independência e qualidade das auditorias.
O mercado de capitais brasileiro vem batendo recordes: em 2024, as empresas captaram R$ 783 bilhões, o que representa um aumento de 67% em relação ao ano anterior. Compreender o verdadeiro papel da auditoria independente é essencial para que investidores possam navegar com segurança no ambiente de negócios e, assim, continuarmos nessa trajetória de crescimento. Em um ambiente onde informações financeiras embasam decisões estratégicas, a asseguração razoável reforça a credibilidade das demonstrações financeiras, além de contribuir para uma governança mais sólida e previsível.
Conduzidas com rigor técnico e ceticismo profissional, a auditoria se torna um diferencial competitivo, ajudando a mitigar riscos e a fortalecer a transparência. Empresas que adotam esse compromisso sinalizam ao mercado sua responsabilidade com a qualidade da informação e o respeito aos investidores. No fim, um mercado eficiente não se sustenta apenas em números, mas sim na confiança que esses números representam — e a auditoria independente é peça-chave nesse equilíbrio.
Sebastian Soares é presidente do Instituto de Auditoria Independente do Brasil (Ibracon).
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