29 de setembro de 2022
Por Valdir Coscodai*
É triste e constrangedor observar que nem mesmo uma pandemia como a da Covid-19, um dos episódios mais graves da história, com milhões de vidas perdidas e tantos danos econômicos e materiais, é capaz de sensibilizar algumas pessoas quanto à importância de mudar o comportamento e adotar posturas mais éticas e honestas. É o que mostra a 12ª Edição/2022 do “Relatório das Nações – Estudo global” da ACFE (Association of Certified Fraud Examiners / Associação de Examinadores Certificados de Fraudes – https://legacy.acfe.com/report-to-the-nations/2022/), sediada em Austin, Texas (EUA).
O estudo reporta 1.200 ocorrências de irregularidades cometidas por profissionais e gestores, em 23 setores de atividade, num universo de 133 países, de janeiro de 2020 a setembro de 2021. O prejuízo total foi de US$ 3,6 bilhões. Estima-se que as organizações afetadas percam 5% de sua receita anual em decorrência do problema. Cerca de 69% das fraudes relatadas ocorreram em empresas, sendo 44% privadas e 25% públicas.
Algo positivo que se pode inferir no levantamento é que, no contingente de 3,3 bilhões de pessoas que trabalham em todo o mundo, a grande maioria nunca roubou, praticou fraudes ou abusou da confiança de seus empregadores. Entretanto, a pequena porcentagem transgressora, responsável por milhões de irregularidades, causa imensos danos às empresas, a economia e à sociedade, pois uma quebra financeira pode ter desdobramentos gravíssimos, incluindo redução de investimentos e desemprego.
Medidas de controle sugeridas pela ACFE
Chamam atenção no estudo da ACFE duas medidas de controles sugeridas: rotação de cargos/políticas de férias obrigatórias e auditorias-surpresa. Tais providências foram associadas a uma redução de pelo menos 50% na perda mediana e na duração média das fraudes. Outras iniciativas que se mostraram efetivas são o monitoramento/análise proativa de dados e avaliações formais de riscos.
Embora a responsabilidade direta pela prevenção e investigação de fraudes seja dos gestores das organizações, as conclusões da pesquisa global evidenciam a importância da auditoria independente, mesmo em empresas não incluídas entre as que devem compulsoriamente contar com esse serviço. Ao exercitar alguns atributos da atividade – como o ceticismo e o aguçado conhecimento das demonstrações contábeis –, o profissional da área, ante informações relativas a suspeitas de transações indevidas que sejam significativas ou possam causar distorção relevante nas demonstrações contábeis, comunica de imediato aos dirigentes da organização. Além disso, discute com eles a natureza e extensão dos procedimentos necessários em cada caso.
A suspeita e/ou prática de atos ilícitos e fraudes perpetradas por dirigentes e/ou funcionários exigem imediata providência do conselho de administração, que pode constituir um comitê de investigação, formado por profissionais especializados e independentes. No Brasil, é obrigatório comunicar a ocorrência aos reguladores, com os seguintes prazos: três dias para o Banco Central; 10 dias para a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) e a Susep (Superintendência de Seguros Privados).
Os dirigentes também devem comunicar formalmente os casos ao auditor e ao comitê de auditoria em 24 horas. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) determina que as companhias devem divulgar fato relevante ao mercado. Adicionalmente, as normas desses reguladores demandam que o auditor independente, o auditor interno e o comitê de auditoria mantenham comunicação mútua imediata.
O importante trabalho do auditor
O auditor independente deve estar presente na investigação desde o início, para expor seus pontos de vista e necessidades. O profissional acompanha o desenvolvimento dos trabalhos, discute com os investigadores as informações coletadas e se reúne com o conselho de administração e/ou comitê de auditoria, para observar suas conclusões. Um trabalho investigativo apresenta três principais desafios: a equipe responsável não tem poder de polícia; o caráter sigiloso de informações; e a tempestividade e o peso dos julgamentos e decisões no contexto de uma investigação.
Ao término do processo, o conselho de administração deverá buscar no comitê de investigação as conclusões e seus fundamentos, para que possa aprovar ou solicitar dados adicionais. O auditor independente buscará averiguar as aprovações feitas e as decisões tomadas, de modo a determinar o impacto em seu relatório. Um desafio complexo para o profissional refere-se à necessidade de emitir opinião sobre as demonstrações contábeis relativas à investigação em pauta. Nessas situações, exerce julgamentos críticos quanto a cinco aspectos: atos, pessoas, controles internos, livros/registros e notas explicativas. As normas de auditoria orientam as decisões a serem tomadas, mas o julgamento profissional é indelegável.
Os números do relatório mundial de fraudes nas empresas demonstram ser indispensáveis medidas preventivas, controles, apuração e aplicação das devidas sanções legais. Visando contribuir para esse tema, o Ibracon emitiu o Comunicado Técnico 03/2021 (https://www.ibracon.com.br/ibracon/Portugues/detPublicacao.php?cod=282), com orientações aos auditores independentes sobre a abordagem e impactos na auditoria de demonstrações contábeis de entidades relacionados à não conformidade ou suspeitas de não conformidade com leis e regulamentos, incluindo atos ilegais ou fraude.
Todo o esforço deve ser feito no desafio de conscientização sobre lisura, ética e compliance. Também é necessária a formação de novas gerações cada vez mais comprometidas com esses valores.
*Presidente do Ibracon – Instituto de Auditoria Independente do Brasil
Para acessar este conteúdo é preciso estar logado como associado.