Artigo: Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: uma contribuição para a transparência do mercado - Ibracon
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Artigo: Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional: uma contribuição para a transparência do mercado

14 de janeiro de 2025

Por Adriana Teixeira de Toledo

Para Conjur – Publicado em 14.01.2025

O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN) foi concebido, em 1985, para exercer a função de instância recursal das decisões de caráter punitivo proferidas pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), decorrentes de processos administrativos instaurados no âmbito daquelas instituições, por força de seu poder de polícia.

Com o passar do tempo, o conselho acumulou novas atribuições, passando a ser competente também para os recursos de processos sancionadores oriundos do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), da Superintendência de Seguros Privados (Susep), da Polícia Federal e do Conselho Nacional de Justiça Federal (CNJ), no que diz respeito às regras concernentes às Políticas de Prevenção à Lavagem de Dinheiro.

Até sua criação, a função revisora era competência do Conselho Monetário Nacional (CMN), conforme a antiga versão do artigo 4º, inciso XXVI, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964.

Desse desdobramento é que surge o apelido de “Conselhinho”, pelo qual o CRSFN passou a ser conhecido na comunidade financeira e no meio dos advogados que militam na área. Essa denominação, longe de significar apequenamento da importância da instituição, traduz um colegiado respeitado no meio jurídico financeiro, pelo qual já passaram mais de 200 conselheiros que julgaram, nos 40 anos de sua existência, em torno de 8.000 processos, envolvendo matérias das mais variadas entre as competências que lhe foram atribuídas.

A composição do Conselho de Recursos, com participação paritária de integrantes do setor público e indicados pelas entidades representativas do mercado, dá ao CRSFN o porte de um verdadeiro tribunal administrativo. Com sessões abertas ao público em geral e a possibilidade de sustentação oral pelos representantes dos recorrentes, confere total transparência e legitimidade ao processo de julgamento.

O modelo de composição atual, vigente a partir da edição da Portaria MF n° 1.560, de 2023, abandonou o conceito de assento cativo por determinadas entidades, multiplicando o rol de entidades associativas que podem apresentar indicações para o processo seletivo de conselheiros, desde que se credenciem para tal fim. A composição atual do CRSFN se dá por segmentos do mercado, respeitando o equilíbrio na representatividade do SFN, fazendo parte dele o segmento de auditoria e governança corporativa, de grande relevância para a higidez das instituições.

Ao longo das últimas décadas, desde a implantação de um regime sancionador para os mercados regulados, o sistema financeiro deu passos largos. Cresceu em tamanho e complexidade. Surgiram diversas novas instituições oferecendo uma gama incontável de produtos e serviços, ampliando exponencialmente o número de clientes, consumidores e/ou investidores. Decorre disso, o aumento proporcional de assuntos incorporados ao rol de atribuições do Conselho de Recursos, à medida que se ampliam as atividades de supervisão dos órgãos reguladores desses mercados.

À medida que o tempo passa, aumenta a complexidade das operações praticadas, a sofisticação dos instrumentos e dos produtos financeiros, bem como a criatividade dos agentes que operam no sistema. São novas formas de estruturação das operações financeiras, que dificultam a compreensão e avaliação dos riscos envolvidos. São novas modalidades de instituições financeiras, a exemplo dos bancos digitais e das fintechs demandando nova regulação. Surgem, a cada dia, outros instrumentos financeiros, moedas digitais, criptomoedas, tokens etc. Tudo isso cria desafios intermináveis para os órgãos de supervisão, não só impondo a necessidade de editar novos normativos visando a proteção dos interesses dos usuários e investidores, como também de implementar práticas e sistemas eficazes para avaliar e preservar a solidez e solvência das instituições que atuam na intermediação financeira e, assim, evitar crises generalizadas de desconfiança no SFN.

As novas normas expedidas pelos reguladores vêm, nesse compasso, exigindo medidas que aumentem a capacidade de gestão dos riscos a que estão submetidas as instituições financeiras em suas operações, diante dos cenários adversos; mais efetividade dos controles internos das instituições; a qualidade da governança corporativa; a transparência e confiabilidade do sistema de divulgação de informações; a manutenção de capital próprio em níveis mínimos capazes de suportar eventuais perdas. Nesse cenário, é de se esperar que as novidades na regulação trazem consigo uma carga acentuada de disciplina para adaptação ao novo contexto, que nem sempre é alcançada pelas instituições e, com isso, operando à margem do sistema incide sobre elas as medidas de enforcement e, por consequência, o regime sancionador.

Por outro lado, a frequência, cada vez maior, no lançamento de produtos e serviços dos mercados financeiro, bancário, de valores mobiliários e de capitais, em especial com aplicação de novas tecnologias, faz inaugurar modelos de conduta sobre as quais o CRSFN tem o papel de dar interpretações e fazer julgamentos, com base em arcabouço normativo ainda jovem, muitas vezes sem qualquer referência bibliográfica ou de precedentes. Esse tem sido um desafio dos tempos atuais para o Colegiado, pois impõe a todos a busca constante para se manter atualizados, em velocidade compatível com a dinâmica dos mercados.

Nesse passo, cresce a importância do papel do Conselho de Recursos, na construção de entendimentos sobre a execução dos mecanismos de enforcement, para a qual o processo sancionador é a última morada. À medida que o Colegiado passa a dar publicidade da interpretação de qualquer norma ou procedimento, seja por meio de decisões monocráticas do seu presidente, dos acórdãos publicados, ou da aprovação de súmulas, abre-se um novo caminho a ser perseguido, seja pelos reguladores, com o fito de alinharem-se ao que foi decidido pelo órgão revisor; ou pelos regulados, no sentido de se adaptarem sobre o comando de tal decisão ou, por vezes, de construírem teses na tentativa de buscar revisão do estabelecido. O fato é que as conclusões extraídas das decisões do CRSFN não passam despercebidas pelos agentes do mercado.

As decisões do conselho têm um impacto significativo no mercado financeiro, inclusive nas questões de auditoria, pois criam precedentes que orientam as práticas de conformidade nas instituições financeiras. Isso ajuda a estabelecer padrões claros e consistentes para a auditoria interna e externa.

Ao revisar e julgar recursos contra sanções aplicadas pelos órgãos reguladores, o CRSFN promove a transparência e a confiabilidade das informações financeiras. Isso é crucial para a integridade das auditorias, pois garante que as instituições sigam as normas e regulamentos estabelecidos.

As decisões do CRSFN ajudam a identificar e mitigar riscos associados a práticas inadequadas ou ilegais. Isso é especialmente importante para as auditorias, que dependem de um ambiente regulatório estável e previsível para avaliar a conformidade e a saúde financeira das instituições.

Pode se dizer, ainda, que a atuação do CRSFN reforça a confiança dos investidores no sistema financeiro. Decisões justas e bem fundamentadas aumentam a percepção de que o mercado é bem regulado e que as instituições financeiras estão sujeitas a uma supervisão rigorosa.

Por fim, as decisões do CRSFN frequentemente resultam em recomendações para melhorias nas práticas de auditoria e governança. Os treinamentos direcionados para as equipes de auditoria incluem as decisões do CRSFN. Isso garante que os auditores estejam cientes da interpretação das mudanças regulatórias e possam aplicar corretamente as novas normas. Isso contribui para o aprimoramento contínuo dos processos e controles internos das instituições financeiras. Tanto é assim, que as auditorias ajustam seus relatórios para refletir as decisões do CRSFN, destacando áreas de risco e conformidade que foram objeto de decisões recentes.

O conselho também tem sido referência para os órgãos de primeira instância, no aprimoramento de suas técnicas de apuração e de instrução processual, bem como na busca da atuação com máxima eficiência e equilíbrio na aplicação das penalidades para o cumprimento da sua missão institucional.

Com toda a dinâmica dos mercados regulados, demandando novas regras de atuação, é de extrema importância haver um direcionamento sobre a interpretação dos atos sob a vigência das novidades. Ao que tudo indica, no âmbito do SFN, o CRSFN tem sido bússola e auxilia os agentes na navegação pelos revoltos mares da tênue diferenciação sobre o que é o possível e o que é o certo.

Referências

ALVES, Rui Fernando Ramos et al. (Coord). O NOVO REGIME SANCIONADOR NOS MERCADOS FINANCEIROS E DE CAPITAIS. Uma análise da Lei n° 13.506/17. São Paulo: Editora Iasp, 2019.

JUNIOR, Edilson Pereira Nobre. Paradigmas do Direito Administrativo Sancionador no Estado constitucional/organização Edilson Pereira Nobre Júnior- São Paulo: Editora Dialética, 2021.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. O Poder administrativo sancionador: origem e controle jurídico. Napoleão Nunes Maia Filho; Mário Henrique Goulart Maia. – Ribeirão Preto: Migalhas, 2012.

VIVEIROS, Ricardo et al. (Coord). Auditoria Independente, missão e responsabilidades: estudos e pareceres/Instituto de Auditoria Independente do Brasil – Ibracon, São Paulo: Ibracon, 2023.

Adriana Teixeira de Toledo é procuradora do Banco Central, mestre em Direito e Economia pela Universidade Gama Filho, especialista em Líderes na Gestão Pública pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e presidente do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN).