14 de maio de 2021
*Valdir Coscodai
Alguns aspectos chave tais como objetividade e credibilidade devem ser considerados no momento da identificação de um advogado externo e um especialista forense que possam ser contratados para aconselhar e/ou conduzir uma investigação com antecedência de qualquer problema em potencial.
A edição de 2020 do “Relatório das Nações – Estudo global” da ACFE (Association of Certified Fraud Examiners / Associação de Examinadores Certificados de Fraudes), dos Estados Unidos, reportou 2.504 ocorrências, em 125 países, significando perdas de US$ 3,6 bilhões. Os números reforçam a premência do atendimento às exigências crescentes dos reguladores, stakeholders e da sociedade quanto à lisura das organizações e à confiabilidade das demonstrações financeiras.
A instituição de comitês de auditoria e de gestão de riscos é uma boa prática para evitar brechas para possíveis fraudes. São necessários esforços para gestão adequada dos riscos, que se iniciam com o mapeamento das exposições e a implementação de controles internos que mitigam esses riscos, de forma integrada com as funções de compliance e ética.
O comprometimento com a integridade e valores éticos, demonstrado pelo Conselho de Administração ao estabelecer e patrocinar ações como as descritas acima, bem com comunicações e estímulos para destacar esses temas, são fundamentais. O combate a fraudes e atos ilegais, que é uma responsabilidade primária dos dirigentes, inicia-se com as ações acima, aliadas a um código de conduta e ética e uma cultura de controles internos que operem de forma adequada e eficaz.
Enquanto os dirigentes têm a responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude, o auditor tem a responsabilidade de manter atitude de ceticismo profissional, considerando o potencial de que os controles podem ser burlados pela administração.
É importante que as empresas estejam atentas a alegações ou comportamentos questionáveis de seu pessoal para buscar uma resposta rápida. Em muitos casos, como denúncias em hot lines, são necessários procedimentos iniciais de apuração de fatos para entender a natureza e o conteúdo da alegação, ou do comportamento que se tem dúvida, para se decidir quanto a uma investigação. Em outros casos, as investigações de natureza penal ou investigações criminais em andamento por autoridades e que batem à porta de empresas demandam que a decisão de investigação seja tomada o mais rápido possível.
O auditor independente, ao obter informações relativas a transações indevidas que sejam relevantes ou possam causar distorção relevante nas demonstrações financeiras, ou ainda, questionamentos éticos de dirigentes, deve comunicar essas suspeitas aos responsáveis pela governança e discutir com eles a natureza, época e extensão dos procedimentos necessários para dar continuidade à auditoria.
A ausência de ação apropriada pelos encarregados pela governança, considerada pelo auditor como necessária nas circunstâncias, mesmo no caso em que a fraude ou ato ilegal não é relevante para as demonstrações contábeis, mas envolve dúvidas sobre ética e integridade de dirigentes, por exemplo, é uma circunstância que pode colocar em dúvida a capacidade do auditor de continuar a executar a auditoria. Nesses caso, o auditor considera, entre outras ações, se é apropriado retirar-se do trabalho e se há a necessidade de comunicações a reguladores e/ou autoridades.
Alegações quanto a transações indevidas ou questionamentos quanto à ética de dirigentes, especialmente quando divulgadas na mídia, podem fazer uma empresa entrar em parafuso, ou seja, podem perturbar ou mesmo desorientar uma empresa. A pressão para concluir a investigação rapidamente está sempre presente, e vem de todos os lados. O maior erro geralmente ocorre quando a empresa resolve dar declarações ou fazer afirmações para aliviar pressões, sem preparação e sem apropriada fundamentação. A credibilidade da empresa, já colocada em dúvida, pode ir embora.
A preparação adequada pode render benefícios, evitar erros, facilitar respostas na medida correta e encaminhar um processo investigativo cuidadoso e eficiente.
Políticas robustas e completas acerca de assuntos dessa natureza, assessoria jurídica e envolvimento de especialistas em investigação geralmente desempenham um papel crítico na avalição da necessidade e na realização de uma investigação. As políticas mostram os caminhos, e esses profissionais compartilham suas perspectivas sobre as implicações potenciais, orientam sobre os procedimentos a serem executados, discutem as divulgações necessárias e avaliam as possíveis responsabilidades legais.
Alguns aspectos chave tais como objetividade e credibilidade devem ser considerados no momento da identificação de um advogado externo e um especialista forense que possam ser contratados para aconselhar e/ou conduzir uma investigação com antecedência de qualquer problema em potencial. Em geral, esses profissionais não devem ter prestado serviços significativos (ou nenhum) para a empresa antes de serem contratados para uma investigação potencial.
Fraudes de qualquer valor perpetradas por dirigentes da empresa, fraudes relevantes perpetradas por funcionários ou terceiros ou alegações em conexão com investigações criminais em andamento por autoridades demandam ação efetiva do Conselho de Administração, responsável por fixar a orientação geral dos negócios da empresa e por fiscalizar a gestão dos diretores, sem margem de discricionariedade para o cumprimento de suas obrigações legais ou estatutárias.
Precisão, eficiência, proporcionalidade, processos e julgamentos críticos com fundamentação, envolvimento ativo do Conselho de Administração e a capacidade de respostas aos stakeholders são características de uma investigação bem conduzida para garantir algo de suma importância: a credibilidade.
Considerando que a investigação pode ter implicações de longa duração; que os dirigentes têm a obrigação de lidar com o projeto de forma eficaz; que é necessário expertise e independência para um processo transparente e, ao mesmo tempo, que os dirigentes precisam equilibrar tudo isso com as demandas concorrentes no melhor interesse das partes interessadas na empresa, é comum o Conselho de Administração formar um comitê de investigação.
Esse comitê, em geral, deve ser formado a partir de um estatuto próprio ou decisões formalizadas delineando claramente seu papel, responsabilidade e autoridade, ser formado por profissionais especializados e independentes para estabelecer uma governança adequada e coordenar a investigação dos fatos, apoiando o Conselho na: (a) decisão de afastar profissionais contra os quais existem alegações ou evidências de impropriedades (b) definição do plano de investigação; (c) contratação de escritório de advocacia e especialistas de diversas áreas, como por exemplo forense, contábil, tecnologia da informação; (d) discussão dos temas ao longo da investigação; e (e) definição das medidas de aprimoramento necessárias. Ao final, o comitê apresentará suas recomendações para a aprovação pelo Conselho de Administração.
Alternativamente, é possível que o próprio comitê de auditoria da empresa lidere a investigação desde que possua entre seus membros a necessária especialização e objetividade. Este processo de avaliação passa pela análise dos fatos e circunstâncias e que seus membros não estejam associados à dirigentes, empresas e questões que motivaram a investigação.
Os dirigentes devem estar atentos às comunicações esperadas e obrigatórias acerca das alegações e respostas dadas em relação à investigação.
No Brasil, as empresas devem obrigatoriamente efetuar comunicações formais aos reguladores sobre determinadas fraudes ou atos ilegais, obedecendo prazos para isso, como no caso do Bacen (três dias), Previc ou Susep (10 dias). As normas desses reguladores determinam também que: (i) os dirigentes comuniquem os casos formalmente ao auditor e ao Comitê de Auditoria no prazo de 24 horas e (ii) que o auditor independente, a auditor interno e o Comitê de Auditoria devem manter, entre si, comunicação imediata quando da identificação dos eventos.
No caso das empresas de capital aberto, os administradores são obrigados a comunicar e divulgar fato relevante ocorrido nos seus negócios, que possa influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia, o que, em princípio, envolve atos fraudes ou ilegais que possam ter efeito relevante.
Nos Estados Unidos há também prazos muito curtos para comunicações aos reguladores – o prazo para que o Conselho ou Comitê de Auditoria reporte a comunicação recebida do auditor prevista na Section 10A para a Securities and Exchange Commission – SEC é de 24 horas, sob pena de o próprio auditor fazer o reporte.
Quando uma empresa enfrenta problemas significativos, é importante ter em conta a necessidade de comunicação com todas as partes interessadas – auditores, reguladores, acionistas, funcionários, fornecedores, credores, analistas de mercado e imprensa. As divulgações podem ser complexas tanto pela legislação em si quanto pelas circunstâncias. Portanto, os departamentos de relação com investidores e de comunicação devem contar com o apoio do comitê de investigação e dos assessores jurídicos para que as divulgações atendam aos regulamentos e sejam efetivas e fundamentadas – muitas vezes a investigação ainda não revelou suficiente informação para certas afirmações.
Da mesma forma, a notificação a seu auditor independente de forma imediata é de suma importância. Sob nenhuma circunstância o auditor, ao conduzir sua auditoria das demonstrações financeiras, terá responsabilidade por dirigir ou executar parte da investigação, mas certamente necessita ser adequadamente envolvido em função das obrigações regulatórias de coletar as necessárias e apropriadas evidências de auditoria para emissão de seu relatório.
O envolvimento do auditor apenas após a conclusão da investigação certamente trará outros problemas para a empresa. A começar pela governança estabelecida e o plano de investigação adotado: é necessário discutir com o auditor a adequação da governança, e se o escopo desenhado será suficiente para os propósitos da auditoria, sob pena de o auditor não ter condições de emitir seu relatório. Também, o auditor tem papel relevante na discussão de cronogramas e procedimentos prioritários que podem ajudar a dar mais serenidade e celeridade à investigação.
Os responsáveis pela governança e os investigadores não podem assumir que uma denúncia ou mesmo a identificação de uma fraude pontual revela que o esquema completo de fraude ou ato ilegal foi identificado. Outros esquemas, fraudes, pessoas ou, ainda, outros locais podem ter sido ocultados uma vez que o fraudador encontrou brechas nos controles internos da empresa. Cada vez mais os fraudadores usam esquemas complexos e sofisticados para esconder impropriedades. Podem atuar em conluio, criando um sistema completo de informações enganosas e envolvendo até mais de um departamento na empresa e não raramente, partes externas, que seriam testemunhas de que transações são genuínas e verdadeiras, também participam do esquema.
A investigação tem, portanto, limitações inerentes, bem como grandes desafios, como comentado mais a seguir.
Adicionalmente, uma investigação mínima necessária para satisfazer a regra de julgamento empresarial, isto é, executada com boa intenção e atuação com zelo, pode não ser suficiente para satisfazer um tribunal, um regulador, auditores externos ou outros.
A tempestividade e o peso dos julgamentos e decisões tomados em uma investigação são muito grandes. São necessárias evidências e fundamentações para apoiar as ações, pois devem ser consideradas as expectativas das autoridades que detêm uma ampla gama de informações, bem como os olhos dos tribunais, reguladores, auditores e outros terceiros interessados, tais como a imprensa, que podem, posteriormente e com o benefício da revelação de outras ou novas informações, julgar a investigação realizada anteriormente.
A equipe de investigação deve seguir o plano de trabalho aprovado, não perder o foco, mas estar preparada para ajustá-lo conforme surjam informações novas ou fatos que impliquem na mudança de circunstâncias. Em alguns casos, dependendo das circunstâncias, alegações ou suspeitas não relacionadas à alegação objeto da investigação, podem ser direcionadas a outras pessoas ou funções na empresa, com pode eventualmente ser o caso da auditoria interna ou departamento de compliance, desde que tenham objetividade e independência.
As atividades em uma investigação podem variar dependendo das circunstâncias. Em geral, são mapeadas as pessoas a serem investigadas; efetuado o background check de indivíduos e de pessoas jurídicas; há também mapeamento e monitoramento de alegações públicas existentes; coleta, preservação, retenção de dados e informações; análise e discussão com advogados das ordens judiciais, como por exemplo mandados de busca e apreensão; análise e entendimento de transações financeiras e registros contábeis; recuperação de back-ups e informações deletadas; processamento de dados, e-mails, documentos e outras informações; entrevistas exploratórias com pessoas; confronto com relatórios da auditoria interna; triagem de documentos e informações, entre outras atividades.
São atividades que demandam um time de investigação multidisciplinar e atuação em equipe de forma colaborativa. Essas atividades precisam ser monitoradas e reuniões periódicas são essenciais para que os membros do Comitê de Auditoria Independente possam discutir, avaliar e tomar decisões regularmente. O Conselho de Administração deve ter posição ativa no processo, buscando informações suficientes para estar adequadamente informado para aprovar a suficiência das ações e decisões e, assim, cumprir diligentemente com as suas obrigações.
Também é muito importante reunir-se regularmente com os auditores externos da empresa que, em última instância, precisarão concordar que o escopo permanece adequado e que o processo da investigação é razoável, uma vez que em geral a investigação está relacionada a transações financeiras, com os controles internos e não raramente com pessoas chaves que fornecem representações aos auditores.
Durante uma investigação, e dentro de uma visão estruturada, o auditor faz a sua avaliação considerando cinco dimensões:
Identificação dos atos: o escopo da investigação deve apurar os fatos relacionados às alegações iniciais existentes e atentar para a possibilidade de que outros atos, até então desconhecidos, tenham sido praticados. Também, é necessário concluir se possível ilicitude consiste em um ato isolado ou pervasivo, com impacto em diversas transações e processos de negócio.
Pessoas: envolvimento de qualquer dirigente ou profissionais com funções significativas no controle interno ou que exerçam papel relevante no processo de preparação e/ou supervisão das demonstrações financeiras, em quaisquer suspeitas de atos ilegais ou fraudes, ou ainda com o conhecimento de tais atos. Também se preocupa com a falha, e se a falha foi intencional, dessas pessoas em: (i) manter a devida guarda dos ativos; (ii) estabelecer e manter controles internos operando adequadamente; (iii) garantir que os ativos sejam despendidos somente para fins autorizados e legais; e (iv) manter os livros e registros adequados e precisos. O auditor, para cumprir com as normas de auditoria, deve considerar aspectos éticos e de integridade das pessoas relevantes que lhe fornecem representações verbais ou formais.
Controles internos: adequação da definição, desenho e eficácia operacional dos controles internos. O auditor deve avaliar os impactos quanto à época e extensão de seus procedimentos de auditoria e eventuais modificações no seu planejamento a partir da informação sobre como os controles internos operaram, ou falharam em transações indevidas em função de deficiências significativas.
Livros e registros: o registro das transações deve estar de acordo com a sua verdadeira natureza nos livros e registros e as demonstrações financeiras devem ser preparadas, em todos os aspectos relevantes, de acordo com as normas contábeis. O auditor deve buscar evidências suficientes e confiáveis para poder formar uma opinião sobre o conjunto das demonstrações financeiras. Potenciais efeitos relevantes nas demonstrações financeiras devem ser identificados, quantificados e ajustados conforme as normas contábeis.
Divulgações em notas explicativas: divulgação contendo informações relevantes e não enviesada em notas explicativas às demonstrações financeiras. O auditor revisa as divulgações efetuadas em notas explicativas, que deveriam abranger as decisões tomadas pelos dirigentes, o status da investigação, os fatos relevantes identificados até a data de divulgação e os riscos oriundos do assunto.
Normalmente uma auditoria envolve a busca diligente de evidências de atos e fatos e a avaliação crítica das informações obtidas. Existindo alegações ou suspeitas de fraudes ou atos ilegais, o risco de auditoria aumenta e, consequentemente, maior deve ser a quantidade e a qualidade – informações que sejam mais relevantes e confiáveis – das evidências necessárias para o auditor, a fim de que ele observe se o conjunto das demonstrações financeiras está livre de erros, em todos os aspectos relevantes.
Portanto, na prática, o auditor deverá acompanhar o processo de investigação, participando das reuniões periódicas e aplicando procedimentos de auditoria para avaliar a razoabilidade das respostas investigativas dadas às alegações ou suspeitas existentes. Simultaneamente ao acompanhamento do processo da investigação, o auditor deverá discutir com o advogado criminalista da empresa, normalmente contratado para defender o interesse da empresa e/ou indivíduos, e que normalmente é profissional distinto dos assessores jurídicos encarregados da investigação, a fim de observar a consistência de informações e obter desse confirmações formais sobre a existência ou não de evidências de não conformidades com leis ou regulamentos, bem como entender quais são, ou podem ser, as consequências que a circunstância trouxe ou pode trazer para a empresa. Também, deverá se reunir com os engarregados da governança – Conselho de Administração e/ou Comitê de Auditoria – para observar suas percepções e igualmente a consistência das informações relevantes coletadas ou em progresso.
Também, ao acompanhar a investigação e se deparar com os achados da investigação, o auditor deve avaliar o correspondente impacto em sua abordagem de auditoria, isto é, se é necessário reavaliar os trabalhos planejados e/ou desenhar e aplicar procedimentos adicionais de auditoria, cuja natureza, época e extensão melhor respondam aos riscos identificados de distorção relevante. O auditor busca evidências para formar sua opinião e, nas circunstâncias, elas devem ser evidências comprobatórias adicionais, confiáveis e relevantes. Isso não significa que o auditor concorrerá ou duplicará trabalhos investigativos, que também objetivam esclarecer as alegações e as transações, mas significa que, além de acompanhar as investigações, o auditor tem considerações a fazer para responder aos requisitos das normas de auditoria.
O curso de um trabalho investigativo traz numerosos desafios, os quais são únicos e específicos em cada caso, independentemente do quão bem conduzida possa ser a investigação.
Um primeiro desafio é que a equipe de investigação não tem poder de polícia nem de intimação e, assim, essa circunstância pode prejudicar significativamente a capacidade da equipe de obter cooperação e informações de pessoas e terceiros que seriam importantes.
Um segundo desafio é a documentação e o tipo de relatório a ser produzido pela equipe de investigação, pois deve atender a diversas partes interessadas. O comitê de auditoria, o Conselho de Administração e os auditores externos podem preferir relatórios periódicos e por escrito das respostas à alegação para demonstrar que cumpriram seus deveres. Mas a questão que surge em relação a essa forma de reporte é se dessa a empresa não estaria produzindo prova contra si. Também, outra questão que surge é que são informações sigilosas, como tratá-la e como equilibrar o privilégio advogado-cliente da empresa com a resposta a solicitações de informações. Isto é, como o advogado irá resguardar o segredo profissional e as informações reservadas ou privilegiadas que lhe tenham sido confiadas e o que são, em contraste, informações corporativas contidas em correspondências, mensagens e documentos que pertencem à empresa. Essas e outras discussões são muito frequentes em relação à documentação da investigação e quanto mais grave e sensível a circunstância das alegações ou suspeitas de fraude, maior e mais complexo será o debate.
Por fim, em relação à documentação ainda, deve-se considerar que os reguladores instaurarão processo administrativo e intimarão a empresa a fornecer dados. Autoridades como a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Advocacia-Geral da União (AGU), apenas iniciarão negociação de um possível Acordo de Leniência se todos os questionamentos forem respondidos e os documentos para a elucidação dos fatos e alavancagem investigativa fornecerem informações detalhadas sobre ilícitos, acompanhadas dos respectivos documentos comprobatórios.
Conclusão da investigação
Ao término da investigação, o Conselho de Administração deverá buscar junto ao comitê de investigação instituído, as conclusões alcançadas e as fundamentações para essas conclusões para que possa, de maneira informada e consubstanciada, aprovar ou solicitar dados adicionais. Usualmente o comitê de investigação, com a ajuda dos consultores, trará, além das conclusões, recomendações para correções ou melhoria de políticas, processos ou aspectos de controles internos.
Superado o desafio quanto ao tipo do reporte, incluindo a comunicação das descobertas, discutido acima, observa-se que alguns investigadores preparam relatórios escritos detalhados e que outros fazem o relato de seus trabalhos no formato de tópicos, por exemplo em uma apresentação de slides. Uma questão é certa: não há opção de não expor informações necessárias para que o Conselho de Administração e o auditor independente possam cumprir com seus deveres previstos em leis e regulamentos.
Ao aprovar a investigação feita, dentro de sua indelegável atribuição legal e estatutária, o Conselho de Administração concorda com a suficiência da investigação. Ao receber as recomendações, deverá fazer suas avaliações, a fim de cumprir com seus deveres fiduciários, inclusive o acompanhamento da implementação das ações necessárias.
O auditor independente, tendo acompanhado a investigação a fim de verificar razoabilidade das respostas dadas durante a investigação em relação às impropriedades ou alegações e suspeitas existentes, buscará averiguar as aprovações feitas e as decisões tomadas com relação às recomendações trazidas pelo comitê de investigação e consultores envolvidos de modo a avaliar o impacto em seu relatório de auditoria.
Se alegações, suspeitas de fraudes ou de atos ilegais puderem ser qualitativa ou quantitativamente relevantes para as demonstrações financeiras da empresa, a diretoria ou o Conselho de Administração pode decidir atrasar a divulgação de suas demonstrações financeiras até que a investigação seja concluída ou, ainda, possa responder minimamente a questões relevantes. A pressão é gigante pois atrasos podem provocar quedas no preço das ações, não cumprimento de cláusulas de empréstimos, restringir o acesso aos mercados de capitais ou, ainda, prejudicar a credibilidade ou causar incertezas complexas de se administrar, ainda mais acentuadas no caso de instituições financeiras . Essas consequências indesejáveis ressaltam a importância de comunicações oportunas e eventualmente periódicas a partes interessadas. Falhas de comunicação podem custar muito.
A decisão de atrasar a divulgação se torna um dilema complexo pois a diretoria e o Conselho de Administração devem lidar com duas demandas: (i) as consequências provocadas por um atraso, acima exemplificadas, e (ii) seu dever de preparar demonstrações financeiras e notas explicativas livres de erros. Uma vez liberadas as demonstrações financeiras para o mercado, muitos usuários fazem suas avaliações e tomam decisões econômicas. Demonstrações financeiras publicadas sem um adequado conjunto de ações responsivas a alegações ou suspeitas de fraudes ou de atos ilegais se tornam uma aventura: as mesmas podem conter erros (nos números ou nas divulgações) e, a omissão dos dirigentes em relação a esses erros ou afirmações não adequadamente fundamentadas em notas explicativas podem custar processos pesados aplicados por reguladores, ações (class actions) milionárias de investidores que confiaram nas divulgações, bem como a perda de credibilidade da empresa.
O auditor independente também enfrenta um desafio complexo quando necessita emitir uma opinião em relação a demonstrações financeiras com investigações em andamento. O auditor, nessas situações, exerce julgamentos críticos em relação às cinco dimensões descritas anteriormente: Identificação dos atos, Pessoas, Controles internos, Livros e registros e Divulgações em notas explicativas. As normas de auditoria orientam as decisões a serem tomadas, mas o julgamento profissional é indelegável.
No caso da dimensão Pessoas, as normas de auditoria requerem que o auditor determine o efeito que preocupações sobre ética e integridade podem ter sobre a confiabilidade das representações (verbais ou escritas) nas evidências de auditoria como um todo. Ao concluir que há dúvida suficiente a respeito da integridade dos dirigentes, de tal modo que as representações formais exigidas não sejam confiáveis, o auditor emite relatório de auditoria com abstenção de opinião. Dessa forma, uma das ações prioritárias numa investigação é esclarecer se dirigentes estão ou estavam envolvidos em impropriedades, ou mesmo se eles estavam cientes, quais ações eles tomaram ou deveriam ter tomado, e os afastar da empresa ou de suas atividades para que a investigação seja conduzida sem interferências e seja satisfeita a demanda das normas de auditoria.
Nas dimensões de Identificação dos atos, Controles internos, Livros e registros, o auditor deverá avaliar se a circunstância remete para efeitos pervasivos e generalizados ou se os efeitos estão limitados a áreas e contas específicas das demonstrações financeiras, bem como qual é a relevância do potencial efeito no conjunto das demonstrações financeiras. Nem sempre existirão elementos para essa avaliação, mas há casos em que a investigação em curso fornece elementos e informações que ajudam nessa avaliação, a ser efetuada em discussão com os órgãos de governança. Tanto o Comitê de Auditoria quanto o Conselho de Administração devem fazer essa avaliação antes de aprovar as demonstrações financeiras, pois elas objetivam, também, a apresentação dos resultados da atuação dos dirigentes na gestão da empresa e a prestação de contas em relação aos recursos que lhe foram confiados.
Na dimensão de Divulgações em notas explicativas, o auditor revisa as divulgações efetuadas em relação ao status da investigação, aos fatos relevantes identificados e às explicações para que os usuários entendam as incertezas, os riscos existentes e a possibilidades de ajustes cujos efeitos não puderam ser completamente apurados ou não puderam ser quantificados com razoável segurança.
As oportunidades podem existir ou serem criadas dentro de um ambiente cada vez mais competitivo e com pressões, que por sua vez podem induzir a uma racionalização para se fazer uma fraude. Em paralelo, as diversas ações de autoridades bem como o crescente número de denúncias têm gerado um aumento significativo de alegações e, consequentemente, a necessidade de as empresas avaliarem cada caso. Os diretores e os encarregados pela governança na empresa devem trabalhar com a presunção de que fraudes ou atos ilegais podem ocorrer e precisam estar preparados tanto para prevenir como para desenvolver respostas proporcionais, robustas e rápidas. Nesse contexto, e considerando o aumento das exigências de compliance pela sociedade e investidores, destaca-se o papel do auditor independente, evidenciando-se o caráter de defesa do interesse público que caracteriza da profissão.
*Valdir Coscodai
Presidente do Ibracon – Instituto dos Auditores Independentes do Brasil
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